Turismo para PCDs: os limites da beleza de Fortaleza

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11/09/2024
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Turismo para PCDs: os limites da beleza de Fortaleza

Itinerário por Fortaleza mostra que acessibilidade na Capital encontra aspectos positivos, mas se depara também com desafios

Ao redor do Forte de Nossa Senhora da Assunção, originalmente nomeado de Forte Schoonenborch por holandeses, começa a história de uma pequena vila que hoje é a 4ª maior capital do Brasil: Fortaleza.

 

Esse litoral repleto de paisagens paradisíacas logo chamou a atenção dos europeus que chegaram nas terras tupiniquins durante as Grandes Navegações, em meados do século XVI, e aqui se estabeleceram.

 

Ao longo dos seus 298 anos de existência, Fortaleza passou por transformações. Oriunda de intensas batalhas entre povos originários, holandeses, espanhóis e portugueses, a cidade iniciou como uma pequena vila ao redor do Forte e se desenvolveu cada vez mais com a cultura do algodão, que abastecia as indústrias durante a Revolução Industrial.

 

A fuga da seca do sertão também foi motriz para o enriquecimento da futura capital do Ceará. Além de tudo, a localização privilegiada da então vila no litoral proporcionou a criação de diversos portos, que favoreceu as navegações diretas para a Europa.

 

Com uma arquitetura inspirada na Cidade Luz, Paris, Fortaleza enfrentou um crescimento constante e foi se adaptando aos padrões brasileiros. Contudo, a cidade ainda guarda resquícios dessa história, que hoje, se tornaram pontos turísticos clássicos da Terra da Luz, como o Passeio Público.

 

O TURISMO COMO PILAR ECONÔMICO

Para além da curiosidade de conhecer novos lugares, revisitar a história das nossas origens é uma das grandes motivações para passeios turísticos, sejam eles dentro ou fora da sua cidade.

 

No Brasil, essa movimentação se torna ainda mais relevante para a economia, uma vez que o país conta com uma pluralidade de riquezas naturais e equipamentos culturais, destinados tanto para estrangeiros quanto turistas internos, tornando a lista de lugares para visitar praticamente sem fim.

 

O Brasil, país tropical conhecido mundialmente pela sua diversidade ambiental, possui em seu Nordeste uma região banhada pelo Oceano Atlântico com praias exuberantes e que se tornam pilares do turismo nacional.

 

De acordo com a Pesquisa Mensal de Serviços (PMS) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), o Ceará, por exemplo, alcançou entre dezembro de 2023 e janeiro de 2024 o melhor crescimento no índice de atividade turísticas do país, com 11,9%.

 

Fortaleza é um território reconhecido pela sua rica cultura e seu clima quase sempre ensolarado. A cidade possui diversos atrativos e recebe constantemente altos investimentos na cultura, além do seu rico polo gastronômico que se destaca na região. A capital alencarina se tornou a cidade brasileira mais buscada por turistas em 2024, segundo os índices divulgados pela plataforma de hospedagem Airbnb.

 

Uma questão ainda desconsiderada por muitos, entretanto, é se a cidade está preparada para receber o público de Pessoas Com Deficiência (PCDs). Dessa forma, a acessibilidade é um recurso fundamental para que as pessoas dessa camada social possam aproveitar a cidade de forma democrática.

 

De passagem pela Capital
Nascida em Feira de Santana, Ivonne Azevedo, de 31 anos, mora em Belo Horizonte e teve a oportunidade de visitar Fortaleza entre os meses de fevereiro e março de 2024. Visitando diversos pontos, como a Beira Mar, a Praia do Futuro, o Mercado Central e algumas outras praias, Ivonne, que é surda, relata ter “amado todos, mas eles não têm acessibilidade em Libras”.

 

 

A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD): Pessoas com Deficiência 2022 aponta que o Brasil possui 18,6 milhões de pessoas de 2 anos ou mais que fazem parte da população com deficiência.

 

Os recursos de acessibilidade e adaptação para os mais variados tipos de deficiência são essenciais para que os turistas PCDs possam aproveitar dos seus direitos, que são garantidos pela Lei nº 10.098, de 19 de dezembro de 2000.

 

Em 2 de dezembro de 2004, essa mesma lei foi regulamentada com o Decreto Federal nº. 5296, no qual institui o direito do Turismo como parte da integração social de pessoas com deficiência física.

 

Graças ao Programa Turismo Acessível, lançado em 2012 pelo Ministério do Turismo, foi desenvolvida uma construção coletiva, constituída por ações para promoção da inclusão social e o acesso das pessoas com deficiência à atividade turística.

 

VISITANDO FORTALEZA

Para quem visita Fortaleza ficar parado não é uma tarefa fácil já que os pontos de passeio são diversos, variando entre as belas praias nacionalmente reconhecidas, complexos culturais recém-inaugurados na cidade e atividades ao ar livre.

 

É impossível vir para a cidade e, no mínimo, não ouvir falar da Beira Mar, da Praia do Futuro, do Mercado Central e de espaços culturais como a Estação das Artes.

 

Ao acompanhar algumas dessas paradas obrigatórias na jornada de um turista pelas terras da capital alencarina, sugerimos um itinerário pensado para uma experiência completa com lugares que estão minimamente preparados para receber PCDs.

 

Historicamente conhecida e fundamental no desenvolvimento da cidade, a Beira-Mar de Fortaleza é responsável por movimentar mais de R$4 milhões diariamente, segundo a pesquisa Usuários da Beira-Mar, realizada pela Secretaria Municipal do Turismo (Setfor).

 

Encontrar-se com os amigos ou com a família para caminhar pelo calçadão da praia, tomar um sorvete ou até mesmo experimentar a alta gastronomia que a avenida reúne é uma atividade comum há anos dos fortalezenses, mas agora esse passeio é ainda mais prazeroso.

 

O local passou durante quatro anos por intensas obras de revitalização, frutos de um investimento que ultrapassa os R$120 milhões.

 

Apesar da maioria dos frequentadores serem moradores locais, uma parcela considerável de turistas disponibiliza tempo de sua estadia na Terra da Luz para conhecer a orla, sentir a brisa marinha na pele e viver um pouquinho da experiência de morar em Fortaleza.

 

De 800 entrevistados pela Setfor na alta estação na Beira Mar, 26,6% eram turistas nacionais; 1,8% turistas vindos de outros países; e 71,6%, moradores de Fortaleza.

Após a revitalização da orla muita coisa melhorou, o que influenciou fortemente para o crescimento da movimentação econômica, e um desses pontos foi a acessibilidade do local.

 

A avaliação dos Usuários da Beira-Mar de janeiro de 2024 aponta que 89,8% dos entrevistados acreditam que, depois do processo de revitalização, o local possui uma acessibilidade boa ou ótima, 8,2% regular e apenas 2% disse ser péssima.

 

Exclusão sentida na pele

No entanto, apesar da percepção positiva da população geral, quem sente na pele as dificuldades da exclusão não concorda com essa realidade. Ao ser questionada se acredita que a cidade está preparada para receber pessoas com deficiência, Ivonne atesta.

 

“Creio que não, não tem rampas na praia, não tem braille para ler. Para surdos é pior ainda, ninguém sabe Libras”. Ainda a respeito das praias, a Prefeitura de Fortaleza promove desde 2016 o projeto “Praia Acessível”.

 

Realizado no Aterrinho da Praia de Iracema, ele possibilita o banho de mar e o acesso à praia para pessoas com deficiência física, idosos ou com mobilidade reduzida.

 

A barraca, que funciona com atendimento agendado, dispõe de esteira de acesso e cadeiras anfíbias, no qual PCDs podem ter acesso ao mar com um suporte personalizado e seguro de cuidadores, com uso de equipamentos de proteção individual.

 

Em conjunto, o espaço ainda conta com tendas, cadeiras de praia, guarda-sóis, estrutura com banheiro acessível, piscinas, vôlei e frescobol adaptados e vagas de estacionamento específicas para o público participante.

 

 

Ao viajar para outra cidade, principalmente as litorâneas, é impossível não visitar as belas praias que o Brasil tem de sobra, mas os museus também não ficam de fora do checklist de turistas. São eles que vão contar a história daquele lugar e transbordam um conhecimento inédito.

 

A CULTURA HISTÓRICA TAMBÉM PEDE ACESSIBILIDADE

No tangente cultural disponível em Fortaleza para os turistas PCDs, a Pinacoteca do Ceará, localizada no Complexo Cultural da Estação das Artes, realizou, apenas em 2023, 315 atividades acessíveis em Libras entre Aulas Abertas, Conversas de Ateliê, Visitas Mediadas, programas formativos e outras atividades.

 

Alana Oliveira, supervisora de acessibilidade da Pinacoteca do Ceará, explica que a presença de visitantes PCDs no equipamento cultural tem se tornado cada vez mais frequente e isso só é possível pelo investimento na acessibilidade.

 

“Sempre que têm programações acessíveis, e quase todas as nossas programações são acessíveis em Libras, o público, em específico o público de pessoas surdas e pessoas com TEA [Transtorno do Espectro Autista], está sempre frequentando aqui, principalmente aos domingos, que são os domingos de família”, afirma.

 

“A gente consegue encontrar pessoas surdas, com filhos CODAS [Child of Deaf Adults, ouvintes filhos de pais surdos] e CODAS com filhos surdos e assim sucessivamente. Quanto mais a gente amplia as programações, mais essas pessoas vêm até o equipamento, porque é o equipamento que atende ao que eles precisam”, complementa.

 

O processo de visitação da Pinacoteca para PCDs é completamente inclusivo. Desde a recepção até as exposições existem recursos de inclusão como áreas com piso tátil para cegos, telas com apresentações em Libras e textos em Braille.

 

“Na recepção alguns dos recepcionistas sabem Libras, mas uma básica de comunicação. Caso essa comunicação passe para uma conversa maior, então é solicitado aos intérpretes que ficam de plantão”.

 

A supervisora aponta que o foco é dar autonomia a essas pessoas. “Se elas quiserem, elas podem vir para entender como funciona e pedir esse recurso de acessibilidade. Eles têm como ter, mas também se quiserem ficar mais autônomas podem também”.

 

As visitas guiadas em Libras também contam com a acessibilidade inversa, onde o conteúdo é traduzido para o português para o público ouvinte.

 

 

Curso básico para ampliar a arte de comunicar

Em 2023, a Pinacoteca recebeu um curso básico de Libras para os colaboradores, uma movimentação para promover a acessibilidade interna, que se fez necessária com a chegada de um estagiário surdo.

 

A supervisora de acessibilidade diz que “ele foi o pontapé para que a Pinacoteca abrisse ainda mais os horizontes de forma interna, porque o público externo a gente consegue receber muito bem”.

 

Ao adentrar as diferentes exposições do equipamento – que atualmente são “No lápis da vida não tem borracha” de Aldemir Martins, “Amar se aprende amando” de Antonio Bandeira e “Leonilson: Montanhas protetoras e ao longe, vulcões, rios, furacões, mares, abismos e Das amizades”, realizada em parceria com o Projeto Leonilson – os visitantes encontram fones de ouvido com audiodescrição das obras, placas em braille (sistema de escrita e leitura tátil para as pessoas cegas), explicações gerais em Libras, NFC de aproximação que direciona a um áudio no seu celular e até mesmo reproduções de algumas obras em formato de peças táteis, com diferentes texturas, relevos e formatos.

 

Pelé em interação

Uma das obras de longa duração, a Pelé (1966) de Aldemir Martins, conta com todos os recursos juntos, mas o mais interessante é sua audiodescrição criativa e imersiva. A acessibilidade nessa obra foi feita pensando em todo o contexto da arte, trazendo uma audiodescrição em estilo de narração de jogo de futebol, sons de uma partida e até mesmo a torcida nas arquibancadas.

 

 

Os visitantes cegos podem tocar na peça tátil e entender o que estão sentindo enquanto escutam o detalhamento da obra em seus ouvidos. Para o público com TEA, que em sua maioria é composto por crianças, Alana Oliveira explica que são realizadas atividades especiais no ateliê do museu.

 

“Fazemos atividades para essas crianças e agora a gente está trabalhando com um grupo focalizado, com uma instituição chamada Maré Azul. Todas as quintas eles vêm para fazer alguma ação dentro da exposição e a culminância é no ateliê, com alguma outra atividade estimulando o sensorial”, adensa Alana.

 

“A gente tem um roteiro para que eles passem pela exposição e consigam ter essa fruição também, mas eles também ficam muito livres. Se eles quiserem desenhar o hiperfoco deles no momento, eles podem fazer”.

 

Para esse público, em que um dos sintomas pode ser a sensibilidade maior ao barulho, a recepção disponibiliza fones de cancelamento de ruído na recepção. Apesar de não serem todas as obras que estão adaptadas com peças táteis, por exemplo, nenhuma reclamação formal a respeito da quantidade disponibilizada foi registrada pela Pinacoteca do Ceará.

 

“Nossa intenção é que tenha mais. A gente sempre quer mais. Agora tem dez audiodescrição, mas para a próxima já pensar mais dez, mais vinte. Eu acho que o trabalho da acessibilidade é isso, é um trabalho de formiguinha”, finaliza.

 

TERCEIRA PARADA: O PASSADO ILUMINA O FUTURO

Além da Pinacoteca, a capital cearense também conta com o Museu da Fotografia. Inaugurado em 2017, o espaço cultural recebe públicos de todas as idades, classes, turistas, pesquisadores e admiradores da arte, chamando a atenção do público por reunir um acervo de grandes artistas conhecidos pelo mundo inteiro.

 

O museu carrega a missão de tornar a arte acessível para todos os públicos. Em entrevista com o coordenador de ação cultural do Museu da Fotografia, Tomaz Maranhão, afirmou que para tornar isso possível o espaço conta com projetos e atividades que são realizadas desde 2018, para PCDs.

 

É o caso do projeto Na Ponta dos Dedos, realizado com jovens e adultos cegos ou de baixa visão, onde os técnicos do museu ofertam aulas gratuitas de fotografia para o público, com propósito de fazer a inclusão social desse público por meio da fotografia.

 

Anualmente é feita uma exposição fotográfica com os projetos dos alunos, mas ao invés de fotos emolduradas, placas de madeira com fotografias táteis são expostas para o público. A exposição também conta com fones de ouvido com a descrição da obra.

 

O espaço cultural também conta com o projeto Ampliando Olhares, voltado para pessoas com TEA. O programa, criado em agosto de 2023, usa a fotografia para estimular o pensamento e a interpretação. Durante quatro meses as crianças ficam imersas na história e na prática da fotografia, a fim de mostrar que essa camada da sociedade não está presa nos estigmas que são colocados sobre ela.

 

Thomaz Maranhão destacou que além dos projetos, o espaço conta com funcionários capacitados e qualificados para atender as demandas do público. No museu os funcionários são incentivados a estudar libras, com o propósito de que todos tenham a oportunidade de viver a experiência e o aprofundamento artístico que o museu oferece.

 

“O museu foi todo pensado para o público PCD contendo rampas, elevadores, piso nivelado e sinalização braille”, comenta o coordenador de ação cultural do Museu da Fotografia.

 

QUARTA PARADA: TORCIDA INCLUSIVA

Dentre os atrativos turísticos da capital cearense, as praças esportivas como o Ginásio Paulo Sarasate, o Centro de Formação Olímpica do Ceará (CFO) – que sediaram várias apresentações das Seleções de Futsal, Vôlei e do Fortaleza Basquete Cearense – e a Arena Castelão – palco de partidas internacionais, como da Seleção Brasileira, Copa do Mundo e dos principais duelos do futebol cearense – são destinos para aqueles que querem conhecer a cidade além do litoral e os clássicos museus.

 

Com os principais clubes do Estado, Ceará e Fortaleza, em momento de ascendência esportiva, com resultados que chamam a atenção nacional e internacional, era natural que a procura por assistir essas equipes in loco aumentasse

 

Objetivando alcançar todos os públicos, o Vovô e o Leão – como são apelidados – procuram dar uma atenção especial para PCDs. Um cuidado que acontece desde o momento da compra do ingresso até o conforto e adequação para acompanhar o jogo.

 

Há dois anos, em 2022, as administrações dos rivais cearenses perceberam as dificuldades que PCDs encontravam por falta de acessibilidade e orientação, principalmente para aquelas que não eram da capital ou não tinham o costume de frequentar a Arena Castelão, gerando situações de constrangimento e prejuízo para o indivíduo e seu acompanhante.

 

Cenas de usuários de cadeiras de rodas sendo carregados no colo para terem acesso a determinados setores do Estádio eram comuns em dias de jogo, como relatou o Executivo de Planejamento do Fortaleza Esporte Clube, Arley Pinheiro Rolim.

 

“Em 2022, a gente iniciou esse projeto ao verificar em dias de jogo do Fortaleza que vários cadeirantes iam para o setor superior, como não tinham acessibilidade, tinha que ser carregado nos braços por torcedor, segurança e a gente ao perceber essa dor deles (PCDs) alinhamos com o Fortaleza de fazer a seguinte situação: torcedor que comprou ingresso da superior central ou tem o check-in para esse setor a gente remaneja para bossa-nova (área premium) e assim do mesmo jeito na superior sul para inferior sul e superior norte para inferior norte”, disse Arley Pinheiro.

 

Além deste trabalho de orientação na compra do ingresso, os clubes fazem preço de meia entrada para PCDs e seus acompanhantes, como afirmou o Gerente de Tecnologia e Inovação do Ceará Sporting Club, Marcos Medina.

 

“A gente sempre tem o cuidado na venda para saber a deficiência. Se for alguém com dificuldade de caminhar, encaminhamos para os setores que têm acessibilidade que são os inferiores da Arena Castelão. Todos eles [pessoas com deficiência] têm o recurso de meia entrada. Além da gente vender meia entrada para eles [PCDs], o acompanhante também tem direito a meia entrada, que é o que a legislação permite”.

 

Apesar de não confirmarem o número com exatidão, as administrações dos times revelam que a deficiência mais comum entre PCDs que compram ingressos são as de audição, fala e locomoção. Com esta informação em mãos, fica mais fácil orientar o staff responsável por agir e cuidar deste público em específico.

 

Arley Pinheiro, Executivo de Planejamento do Fortaleza, contou que o Leão teve uma iniciativa junto aos torcedores PCDs com a criação de uma torcida organizada, com faixa, chamada de “Cadeirantes de Aço”, que é composta por 21 sócios-torcedores, 16 compram ingressos e uma cortesia é dada.

 

A ação além de privilegiar o torcedor com deficiência que frequenta o estádio com regularidade, também deixa mais convidativo aquele que vai pela primeira vez acompanhar uma partida de futebol tendo um lugar reservado com um grupo de pessoas com dificuldades semelhantes.

 

Arley conta detalhes sobre o Cadeirantes de Aço. “Fizemos a faixa com Cadeirante de Aço, que é a primeira torcida [organizada] de PCDs do Fortaleza. Eles são sim considerados torcida [organizada], não são um movimento. Além de torcedores [que são], tem também a questão social da acessibilidade, da conscientização, do torcedor de modo geral”.

 

 

Um dos fundadores dos Cadeirantes de Aço, Daniel Melo contou um pouco da história da criação da Organizada. “Escolhemos o nome [Cadeirantes de Aço] por termos visto que era um nome mais aguerrido, representando as pessoas que fazem parte do grupo”, dá mais detalhes.

 

Melo acrescenta que há, ainda, pessoas que têm outro tipo de deficiência física. “A nossa intenção é colocar [na torcida] cadeirantes”, relata. Mesmo aceitando outros tipos de PCDs, uma coisa que não é negociável é para qual time torcer. Tem que ser muito torcedor do Fortaleza, destaca..

 

“A medida que vão aparecendo pessoas através do contato com a gente lá no Estádio ou dos próprios amigos, a gente faz a seleção e lógico que tem que ser e muito torcedor do Fortaleza. No nosso grupo temos a regra de falar somente do universo da pessoa com deficiência e do Fortaleza, é, bem dizer, um grupo fechado para só esses dois assuntos”

 

DESTINO FINAL: A IMPORTÂNCIA DA SOCIABILIZAÇÃO

Apesar da iniciativa já ser notável, como exemplificado anteriormente em nossas paradas, “mesmo nesses espaços públicos, ainda há uma luta para torná-los cada vez mais acessíveis para todos” afirma André Fernandes, intérprete de Libras e professor de filosofia no Instituto Cearense de Educação de Surdos.

 

“Em muitos casos os alunos não têm oportunidade de acessar ou serem apresentados a esses espaços acadêmicos e culturais, que podem ser apropriados por eles com suas vivências, sendo estas voltadas ao trabalho, estudo ou lazer”, conclui o professor.

 

Espaços considerados públicos e com intuito de disponibilizar acesso à cultura e ao lazer, sendo esses direitos reconhecidos pela Constituição Federal desde 1988, são entendidos como necessários e dever do Estado.

 

Professor de filosofia no Instituto Cearense de Educação de Surdos e pós-graduado em Educação Especial e Inclusiva, Fernandes pontua que o estímulo para visitação em espaços culturais da cidade é de extrema importância para a socialização e bem-estar dos alunos.

 

O próprio Instituto organiza visitas em locais como museus, instituições e faculdades com a intenção de induzir a participação e ocupação dos mesmos por jovens PcD. “O objetivo das aulas de campo é apresentar espaços que podem – e devem – ser ocupados por esses estudantes”.

 

Segundo Fernandes, espaços como museus disponibilizam certas ferramentas de acessibilidade com mais facilidade. Algumas das mais comuns seriam a presença do profissional tradutor intérprete de Libras, adaptação arquitetônica, gravação de vídeos e audiodescrição explicativas, entre outros.

 

Ele compartilha que no link de agendamento de visita enviado pelo próprio Museu da Imagem e do Som, por exemplo, contava com a possibilidade de solicitar intérprete para acompanhar a visita.

 

A maior dificuldade compartilhada, diz, é que a acessibilidade como um todo parece sempre estar apenas nos últimos estágios da idealização de uma experiência cultural. Primeiramente a estrutura é pensada, depois ela é adaptada.

 

O professor relaciona que a escassez de integração de PCDs em outras posições além de consumidores é a problemática que acaba por tornar a acessibilidade algo secundário.

 

Entraves na cultura

Supervisora Pedagógica de Acessibilidade da Escola de Cultura e Arte do Centro Cultural do Bom Jardim e PCD (Paralisia Cerebral grau 2), Vitória Sâmea, ao ser indagada sobre as dificuldades de se trabalhar com cultura conta que ela surge na falta de compreensão de pessoas sem deficiência sobre a pauta.

 

“A cultura é um direito básico previsto por lei, assim como o SUS [Sistema Único de Saúde] é para todo e qualquer cidadão brasileiro. Somos pessoas com direito tanto de consumir, quanto de contribuir para o cenário econômico e turístico da cidade”, pontua.

 

O acesso ao lazer é de extrema importância em uma vivência turística. Poder se conectar com a cultura do local visitado amplia a profundidade da experiência de conhecer uma nova cidade. “Não diria que o acesso ao lazer é fácil, mas é necessário”, destaca Vitória, “presença gera demanda e demanda gera resultado; um melhor atendimento”.

 

Renata Carvalho, Psicóloga da família no CiADi (Centro Inclusivo para Atendimento e Desenvolvimento Infantil, projeto da Assembleia Legislativa) afirma que o impacto de um espaço turístico mais inclusivo é positivo para todos os públicos, pois com “as necessidades específicas sendo respeitadas, acaba por tornar todos os ambientes turísticos mais ricos e mais diversos”.

 

Renata é mãe de Matheus Soares, adolescente com Transtorno do Espectro Autista (TEA), e ao ser perguntada sobre o impacto da inclusão em situações como essas ela sensivelmente pontua que isso tudo nada mais é do que “a permissão para que todo público – independente de limitações físicas ou não visíveis – possa usufruir da construção de memórias e experiências únicas. Tanto para quem visita, quanto para quem recebe [essas pessoas]”.

 

A diferença que a possibilidade de acesso para PCDs a esses locais pode causar é clara. Sobre o poder estar mais presente e atuante em sociedade, Renata lembra que “a sensação de pertencimento independente da limitação apresentada, a ausência de julgamento e permissão para para ser quem é; ser feliz e aceito com todas as suas particularidades” é o ponto mais importante de toda a discussão.

 

Momentos como esses vão além do que deveria ser de direito de qualquer cidadão. A chance de conhecer novos lugares, ter novas vivências e conhecer mais do mundo em que vivemos não deveria ser visto como algo complicado. Ao entender as necessidades do próximo e fazer o nosso melhor para integrar a todos, alcançaremos um avanço ainda maior como sociedade (Alunos Alexia Viana, Gabriela Erotilde, Horário Neto, João Pedro Artuzo e Lívia Magalhães).

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